segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Grude

Ainda não tenho, nem nunca terei, cabais certezas acerca dos rompimentos de relacionamentos afetivos, poeticamente: do êxodo do amor. Porém tenho conhecimento, mesmo por própria experiência, de uma causa poderosa – o aborto da solidão individual. Ninguém, sim – ninguém!, nem mesmo os mais afetados e patologicamente carentes são capazes (leia-se “suportariam”) viver sem momentos de deserto físico e espiritual; o filósofo (e padre) Fábio de Melo é assertivo e acertante quando diz “Deus me livre de não ter meus momentos de solidão”. Quando um parceiro(a) aceitar (duvido) a frase “Amor, hoje eu preciso ficar sozinho” sem forjar crises de insegurança e ciúme, assim respeitando a individualidade e a melancolia que, também, nos alimentam – é grande a chance de fortalecer seus laços para com o solicitante. É insuportável a “obrigação de querer estar sempre perto” - é asfixiante e irritante. Erroneamente, as pessoas sequestram umas às outras. Concordo que quem ama quer estar perto, mas sem descanso o amor infarta.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Fatura

Únicos e definitivos, acerca do amor e da morte não adquire-se experiência. Mas venho aqui glosar sobre relacionamentos, que, ungidos de amor ou não, são inevitavelmente complexos e massacrantes. Não é segredo que para que haja harmonia precisemos amputar fragmentos idiossincráticos, mas poucos vislumbram o preço que o ego cobrará por tal automutilação. E, perdoem-me esta aparente digressão, intelectuais são péssimos amantes, posto que qualquer dúvida sobre seus sentimentos ou visões de vida ferem o orgulho que nutrimos [essa silepse nasce do fato de eu (in)feliz e sem modéstia considerar-me como tal). O autoconhecimento, embora clichê, é eficaz (leia-se como "única forma"); doar-se é bonito e bom, mas uma equação para definir até onde é imprescindível. Ou quem pagará o preço é quem está ao teu lado.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Sim

"Sonhos finitos, é a vida um milagre efêmero. Uma batalha sem sentido, posto que sempre perdida - o fim, cedo ou tarde, é escatologia. Tapeia-se a morte, persuadi-se – mas morte é espelho. E é justamente por isso que se deve dar sentido a cada segundo, por mais medíocre e procrastinador que pareça. Se minha existência é um sopro do acaso, só me resta envasá-lo em frascos sortidos de paz – pequenos, aliás.
Para cada gota de bom momento há um oceano de mazelas, o que acaba (deveria) por valorizá-las. Otimismo é o deus da infelicidade, projeta utopias como possibilidades; resignação é compreensão, compreender é valorizar"

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Fermata

Eis você, algoz de minha abulia. Horas longas, aparentemente contadas para trás, açoitam os alongados cotidianos quando não perto de ti - permitem o idílio apenas por meio de palavras escritas, com olhos foscos e secos. Refratário, escondo da vida a falta que você me faz. A cada chegada nasce a euforia do reencontro recoberta de mazelas futuras, chagas reticentes que vislumbram o ardor de um simples até logo. O silêncio que a vida prática implica, mesmo vivendo poucas horas, amedronta e arranha toda a segurança que o tal de amor edifica – lúgubre, comparo cada fragmento do cronos sem você com o exaurir de tua existência. Dos pueris apelidos que atribuímos às mais íntimas parte de nossos corpos nascem personagens simbióticos que, por assim ser, inevitavelmente precisam estar próximos. Deitas em meu ombro a léguas de distância, com cheiro, calor e lascívia inconfundível – estás aqui só quando longe; pois de perto tu me és.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Uni

Dentre as improváveis realidades, nada é tão inverossímil como tua morte em mim. Sedento de tua saliva e faminto de teu corpo, norteio um futuro mais presente que o agora; cri que amaldiçoei o mais abençoado dos meus dias, aquele em que a conheci – foi das minhas mentiras a mais infame e genuína. Que culpa tens acerca do galope cardíaco que invade uma mera e trivial lembrança, uma pequena toalha suja de amor, que seja? Não, tua única e absoluta culpa é a de não permitir que qualquer momento seja singelo e banal, eterizas todas as coisas. Perdendo-me nos segundos que quando longe de ti tornam-se robustos e nada plácidos, encontro-me na alegria de que cedo ou tarde simplesmente estaremos.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Hiena Consciente

Se é para ressurgir das cinzas, que seja eu. Flagelos sistemáticos não me interessam, a ida de um amor só tortura quando sua volta é possível. Hoje, deleito-me na satisfação de nada poder fazer em relação a nós; mais ainda na de quase tudo poder fazer por mim. Vejo o início do calendário como uma oportunidade única de aproximar-me de quem sou, não preciso afastar-te, isso fazes com maestria. Quanto ao mundo vil, posso ser mais e gargalhar sobre sua carcaça. Em frente.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Tédio

Ele foi. Roberto era avesso a foguetórios e abraços falsos, amava o que chamava de família desde que a distância. A chuva que tanto pediu não veio, o céu enluarado corroborava a afetação que preferia evitar; precisava... Mas ele foi. O porco de olhos verdes assado sobre a mesa manteve um olhar alegre tão improvável quanto o carinho distribuído pelos festejantes - a maçã grosseiramente enfiada na boca nada tinha de pecado, muito menos de original. Havia mais de uma hora para as felicitações e elas já causavam comichões em suas tripas - correr era uma hipótese mais provável a cada minuto. Mas ele foi e ficou. A cerveja embriagava bem menos que o de costume, menos até do que as patéticas e engorduradas rabanadas. E chegou a meia noite, trouxe com ela corpos suados compulsivos por abraços e palavras inócuas - um "vai tomar no cu" brotara em sua testa, mas com jeitinho o disfarçara. De que adianta um ano acabar se outro começará? Começou. Será que ele vai?