sexta-feira, 29 de abril de 2011

Nossos Filhos

Sua graça era João, menino questionador desde sua ínfima pequenez de raciocínio.
Tinha como pais pessoas antônimas: um pai artista, talentoso pintor; uma mãe belíssima, porém de poucos planos emancipadores. Herdara a beleza da mãe e a veia artística de seu pai, sintomas que, várias feitas, preocupavam seu amante provedor. Homem culto e experiente, sabia que da inteligência viriam miríades de sofrimentos, mas como desejar que um filho seja “feliz” sendo uma pedra burra?
Abraçado em seu Ser, esse homem parou e olhou, com muita calma, para esse menino na tentativa de amputar qualquer sentimento egóico* (que nasce de pensamentos) que pudesse nublar suas observações. Conseguiu.
Com um contido orgulho começou a ajudar na lapidação desses talentos intrínsecos à alma desse pequeno ser. João, embora nada soubesse da tão complexa língua portuguesa, abraçava livros e era muito feliz nas histórias que criava baseado apenas nas coloridas figuras de praxe em livros infantis; era engraçado e emocionante o fato dos personagens serem homônimos aos seus queridos familiares.
Não demorou a se interessar pelas cores em que seu pai tanto se empenhava, e com apoio e carinho começou com suas primeiras lambanças pinceladas. Decepcionantes de início, mas que foram mostrando-se fortes, intensas e únicas, fazendo brotar lágrimas de orgulho e resignação de seu experiente responsável.
Jorge, seu pai, quimerista como só, perdeu muitos membros do “corpo da alma” amputados na guerra contra a alienação, infelizmente exigida para se sobreviver “em paz” nos dias atuais. Sua vida era uma colcha de retalhos, costurada assimetricamente com farrapos de tecidos que foram bons e maus momentos vividos. Sabia o que esperava por João, e pior: o que João não esperava.
Mas faz parte do ego (o que pensamos que somos) querer proteger a cria, o que se trata até de egoísmo, pois para teu pai era o sofrimento que dava o mínimo de sentido à vida; não essa “mania de felicidade” que cega e emburrece.
Nessa filosofia continuou com seus ensinamentos, ou melhor: com a lapidação.
Mostrou que virtudes nascem da guerra contra os vícios, que não é da natureza humana ser bom. Pra ser generoso, João travaria inúmeras guerras contra o egoísmo, por exemplo. Mas havia necessidade de “calibrar” todo talento e conhecimento com a vida prática, coisa que Jorge só aprendeu depois de velho, mas não seria assim com João. Estudar era preciso, embora seja explícito que o ensino contemporâneo não traria conhecimento (leia como “sabedoria”) pra ninguém, uma selva de pedra estava pronta para recebe-lo. Missão nada fácil, não é simples domar a alma de um artista, e sua responsabilidade de pai exigia.
Feito o que precisava ser feito, com muito suor (principalmente da parte de Jorge) João era um homem “pronto” (alguém está pronto?) para o mundo, foi-lhe concedido o poder de decidir sobre teus rumos, mesmo por que “preparado” estava física, neurológica e emocionalmente. Jorge sabia que um olhar é como um abraço mais amplo, e os horizontes de João só viriam a aumentar.
Certa manhã, bem cedinho, Jorge vira teu filho terminar de arrumar o cabelo, ajeitar o colarinho e parar na porta esperando um beijo, esse que recebeu em sua testa antes de virar as costas e sair caminhando com uma pasta na mão. Com um breve sorriso Jorge fecha a porta e se pergunta aliviado “E agora, João?.”
Rodrigo Marucco


* Termo informal usado por alguns escritores que de forma não erudita estudam a “consciência”.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Marucco - O Rodrigo.

Sou pessoa simples, meu palácio se resume a um colchão, livros, um ventilador e uma pequena televisão que raramente é ligada. Gosto de comida simples, comida cheirosa que encobre boa parte do prato e que me dá vontade de repetir. Gosto de roupas que me fazem sentir bem, não pago caro por elas. Gosto de ver minha família reunida em comemorações, e sinto que durante esses instantes a felicidade existe.
Converso com meus cães e banho-os no mesmo chuveiro em que eu.
O que tenho de sofisticado é minha alma, sofisticação que alimento com boas leituras e principalmente com meus conflitos. Não vejo luxo algum nas boas e caras viagens que fui obrigado a fazer pelo meu antigo ofício; muito menos nos hotéis “inacessíveis financeiramente” (eufemismo para “muito caros”) em que fui obrigado a pousar. Confesso que sinto-me muito bem com um condicionador de ar ligado, mas pelo custo/benefício, quando eu sou o responsável pela conta, fico com o bom, barulhento e velho ventilador que me acompanha.
Como pessoa simples gosto de conviver com pessoas simples, sem frescura. É engano achar que pessoas simples são vazias. Conheço muita gente “sofisticada” que tem os conteúdos cultural, espiritual e emocional de uma bexiga. Mas, como fui obrigado a enfrentar muitos “almoços e jantares inteligentes”, fazem parte de minha vida. Hoje estou levando a pacata vida que tanto gosto na minha cidade natal (confesso que o ócio que vivi até me ajeitar aqui foi “impiedoso”) e acho que financeiramente vou prosperar, o que não precisa ser em grandes proporções – o que me falta e custa dinheiro não é tão caro assim.
Sinto falta de uma pessoa ao meu lado na hora de rir; chorar eu gosto de fazer só. Como pessoa simples gostaria de estar noivo há mais de dez anos e pensando na união conjugal, mas minha sofisticada alma muitas vezes conflita com a pessoa simples que sou, casamento é um dos principais gatilhos desses conflitos.
Sou pessoa simples de alma refinada, sou condenado a ser livre.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A alegria é perecível

Vivo minha vida como acho que devo viver: percorrendo constantemente o longo caminho entre os extremos da arte e do ceticismo. Esse caminho é muito doloroso, mas, como um beliscão, essa dor prova-me que não estou dormindo nem, muito menos, morto.
A arte, mesmo quando aparentemente “alegre”, traz raízes trágicas. Na verdade qualquer alegria tem uma raiz trágica, afinal tudo é finito. Um amor, por exemplo, tão belo, tão “feliz” e já traz intrínseco o teu fim. Seja por conta da morte, seja por conta do fim do afeto, seja por consequências sociais, o fim é a única certeza cravada nesse sentimento.
Sinto-me muito bem ao ouvir a maravilhosa obra de Chico Buarque, mas também sinto-me muito bem ao ser jogado aos tubarões pelas obras de Schopenhauer e Nietzsche. Sem falar do genial Nelson Rodrigues. Hoje em dia, quem me cutuca com a espada na prancha é Luis Felipe Pondé, que não por acaso também é discípulo desses três que citei e mais um monte de pensadores “céticos e/ou trágicos”, mesmo por que seu conhecimento é muito maios vasto que o meu, humildemente falando. Acho maravilhosa a frase de Pondé que diz que “o homem é um animal que carrega o cadáver nas costas o tempo todo”. Somos cientes de nosso fim, mas antes ou junto chegará o fim do que amamos e/ou nos faz bem. Por que tanta preocupação com nossos filhos? É medo do fim! O fim de sua saúde, o fim de tua consciência, o fim dos movimentos do teu corpo, o fim de sua vida.
Se tudo é finito, qual o sentido da vida? Aí entra meu trágico ceticismo: não há sentido algum.
Mas, como já disse, sinto-me muito bem ao ouvir Chico Buarque.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Um Artista

Você sabe qual a necessidade básica de um artista? Não, não falo das fisiológicas.
Você vai responder, por exemplo, o “aplauso” - e eu digo que não: o prazer de um aplauso é muito parecido (se não idêntico) ao do gozo sexual (bom, mas breve). Você pode arriscar, também, a responder que é o “reconhecimento” - mais uma vez digo que não. Sem mais te deixar curioso, eu repondo que o que supre o artista é a solidão. Mas preciso esclarecer uma coisa: tocar um instrumento, pintar um quadro, encenar peças... Nada disso quer dizer que trata-se de um artista; pra um desses, esses talentos são algo parecido com uma “maldição”. O niilismo é parte fundamental da formação da “alma” de um desses condenados. Se você conhece uma pessoa descrente de quase tudo, inteligente, solitária (geralmente considera que a sociedade não é compatível a ela) e que, ainda por cima, toca um instrumento ou faz alguma bobagem talentosa – cuidado!!! Pode estar perto de um artista.
A sensibilidade extremamente acentuada faz deles “fracos” perante o mundo. A força vem da prática; não do pensamento. Se você é um imbecil que consegue fazer coisas repetidas exaustivamente, parabéns! É bem provável que tenhas sucesso na vida. Agora se a sua natureza é mais “filosófica”, tenho pena de você. Podes amargar uma solidão crônica, definhadora e que, junto a velhice, te deixa mais feio e com olheiras. Não estou me contradizendo, senhor leitor, trata-se apenas do fato de que “vez ou outra” uma pessoa “normal” (otimistas, credo) quer ficar só; com um artista é diferente: “vez ou outra” ele quer distância da solidão. Mas passa rápido, a vida prática faz-nos perceber muito rápido que precisamos ficar sós. Essa ira discretamente contida em minhas palavras também é coisa de gente que se vê perdida num deserto escuro e, ao invés de areia, coberto de cimento. Adoro a frase “tem alguma coisa errada”, risadas. Não está nada errado. É só o “sentido da vida”, esse que fez muitos enlouquecerem procurando e não encontrando – se bem que depois de louco deve haver algum sentido na vida. Mas, ainda, não enlouqueci. Estou aqui vivendo minha amada solidão, mas confesso que me deu um surto (breve) de querer uma boa companhia. Um bom vinho, talvez.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Eu bebo , sim.

É com muita honra que escrevo meu primeiro “post” embriagado. Afinal, dominarmos nossos sentidos e controlarmos nossos desejos não é coerente com a filosofia que eu admiro: a filosofia do afeto ou da falta de.
Já cansei de dizer (baseado em Pondé) que vivemos sobre um tripé cujas pernas são grana, saúde e afeto; mas como no meio literário não sou ninguém, preciso repetir-me exaustivamente.
Sou homem, gosto de mulheres que gostam de homens; emancipadas (termo grotesco) ou não. Como diz um dos meus filósofos prediletos “ a vantagem da emancipação das mulheres é podermos largá-las à própria sorte sem remorso ou obrigações”. Mas eu quero minhas obrigações, mesmo com as mulheres que odeiam (mas desejam ardentemente) os homens.
São anos de restrições e culturas conjugais pregadas em minha mente, sinto muito (mentira).
O afeto continua o mesmo, dependemos uns dos outros. Homens com mulheres; homens com homens; mulheres com mulheres; homens com bichos; etc. A filosofia do afeto continua a ser a perna principal desse tripé maluco. Por mais materialista e/ou capitalista que você seja, jamais será feliz sem afeto. Mesmo com muita grana e saúde. Eu quero grana e saúde, ok? Bom, mas essa história de “dependência” nos remete à atitudes condenáveis. Risadas. Um jogador milionário e que tem a mulher que desejar pode querer um travesti. O afeto é inevitavelmente ligado ao desejo, breve ou não. Bom, vou abrir outra garrafa. Até a próxima. Se não gosta de ler textos etílicos, vá à igreja.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Louco Protagonista


Somos atores, nosso palco é o que chamamos de “Sociedade”. Somos encarcerados num cenário escuro e frio, somo mentirosos, dissimulados, omitimos bons e maus sentimentos. Fingimos, em resumo. Não sou hipócrita, nunca fui, se escondemos algo (um amor, uma tara, uma alegria, uma tristeza), mentimos. E é essa mentira que faz o mundo “funcionar” - temos leis, temos famílias, temos muitos palpiteiros e precisamos agradar a todos e a nós mesmos paralelamente. Não estou me excluindo dessa seita de mentirosos, mas confesso que tento ser eu mesmo durante o maior tempo possível. Enfrento muita ira, muito preconceito, muitas inimizades (principalmente dos inimigos disfarçados de amigos), e também, muitas vezes, sou tratado como uma joia luxuosa e rara que só pode ser usada em situações muito especiais. Mas isso tudo é por que penso, é por que sou inteligente e como disse: não sou hipócrita. E como meu odômetro está com quase 33 “a idade de cristo” (ainda tenho que ouvir isso, mereço), minha paciência diminui na mesma proporção em que a idade aumenta. Acho que meu fim será ser socialmente um “louco”, mas como assim foi com os grandes pensadores, não me importo muito com isso. Arrogante, eu? Sou, sim – muito obrigado.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Quer viver?


Passei muito tempo desacreditando na “salvação” do mundo; ainda não acredito, não se anime.
Não é de nossa essência o bem nem o mal, mesmo por que isso é inevitavelmente ligado à culturas e costumes locais. E a religiões e/ou seitas (ou coisas parecidas), claro.
Dizem que “Osho” é o homem mais perigoso da história depois de Jesus Cristo, e é, se você se sente em casa nas religiões cujo o “marketing” maior são as restrições pra alcançar algo maior em outro plano. O que “Osho” condena é um simples comércio: dão-te a culpa e vendem-te a “cura”, o perdão. Não sou ateu, não quero fazer-te ateu e muito menos fazer-me ateu, mas quando paramos para ao menos tentar pensar profundamente na existência (pensar não é pra todos, lembrem-se disso) acabamos por passar algum momentos no niilismo. Acredito em Deus, mas como você e como todos os que dizem que sabem (os líderes religiosos superficiais, por exemplo), eu não faço a menor ideia de pra que serve isso tudo, esse aglomerado de massas, sentimentos e loucuras a que chamam de vida. Dizem que devemos plantar algo pra colhermos a felicidade. Acho que nem meu filho de três anos cai nessa, hoje. Que felicidade? A vida é instável, como diz o grande filósofo e padre Fábio de Melo. Que planejemos momentos felizes, aí sim. Qual o problema de programar-se e poupar dinheiro para uma viagem de fim de ano? Mas será que chegarei ao fim do ano? Risadas.
Essa instabilidade da vida pode ser indireta., por exemplo: você tem sua viagem paga, roupas bonitas, uma boa câmera fotográfica, etc – aí no meio desse plano alguém que você ama adoece ou morre. E agora??? Tens dinheiro, saúde(só a sua não basta) e um afeto destruído por um câncer ou seja lá qual das inúmeras maneiras que a morte tem de nos humilhar; Felicidade foi-se embora...
Somos uma engrenagem principalmente de afetos, não nos interessa apenas nosso bem estar, assim como nos interessa o mal estar de muitos. Não é o mundo que nos corrompe e que nos faz infelizes. Somos o nosso próprio câncer e o que faz a felicidade ser uma utopia é, muito contraditoriamente, o amor. Seja o próprio ou não. Você imagina o que é perder um filho? Eu tenho medo até de pensar nisso. Quanto mais amor e afeto, maior o risco de sofrimento; mas sem amor, afeto, saúde e dinheiro não conseguimos nem mantermo-nos em pé (considere que você é a tua autoestima).
Sei que Deus teve um trabalhão pra fazer isso tudo, mas muito maior é o trabalho de compreendê-lo. Tente e enlouqueça; ou não tente e viva como uma pedra burra.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Quer ser um quiabo???

Buscar a felicidade é idiotice: ela é feérica, qualquer adulto não retardado sabe disso.
Porém, mais idiotice ainda é não procurar ou buscar momentos felizes. Bons momentos, pra que eu não caia em contradição. Essa conversa superficial de “Carpe Diem” é coisa pra incompetente e/ou depressivo crônico, que não conseguem realizar o que gostariam. Claro que devemos buscar e batalhar por algo que nos deixe realizados; geralmente bons momentos vêm com afeto ou com dinheiro, mas nem um nem outro vão manter-te inabalavelmente bem – seja por tragédias pessoais, globais ou mesmo por algum mal funcionamento neurológico/emocional - passageiros ou não, você vai cair uma hora, tenha certeza.
Viver o simples “agora” é coisa de quem sofre de “Alzheimer” ou para um quiabo ou coisa parecida. Lembrarmos o passado e pensar num futuro é tão vital quanto viver o presente. Uma mordida num lanche que lembre o que comemos quando pequenos – e era preparado por alguém que nos amava e/ou que amávamos – é um gatilho que nos faz muito bem, mesmo sem percebermos. Nossa memória é um arsenal de alegrias, frustrações e tristezas, por isso vivo dizendo que devemos viver tudo o que for possível: passado, presente e um provável futuro. Se uma das possíveis razões da existência é vivenciar bons momentos, façamos, então; assim como os ruins que a vida nos enfia goela abaixo. Quer determinado carro - coisa que vai te fazer “feliz” - compre-o. É lógico, se tiver grana e peito pra se afundar em prestações. Mas se essas prestações vão te fazer mais mal que o prazer de tê-lo, aí é matemático e somente problema seu. Suas experiências podem dar-te respostas pra questões que envolvam futuro.
Aí, caro amigo, você decide. Ser feliz é impossível, mas se fosse real, eu correria disso. Se existisse felicidade plena, aí sim, a nossa existência não faria sentido algum. Em tempo: não estou dizendo que faz.